(Conto tardio de aniversário soprado nos confins de junho/2014 …)
Desde que nasci, uma velha me habita. No começo, era a velha bruxa. Depois, com menos medo (meu) e mais confiança (dela), conforme nos deixamos espiar, cheguei a crer que a velha não passava de uma cafetina. Incomodada, resumi toda aquela pose de mulher segura em um misto de arrogância e conformismo, coisa de quem tem muito(!) orgulho dos próprios calos, rugas e cicatrizes. Velha de guerra.
Em seguida, se não ao mesmo tempo, descambou-se na velha louca. Desvairada e generosa, soprou em mim a saída do labirinto. Mas eu, excessivamente nua e crua, atropelei a velha, meti os pés pelas mãos e cai bem fundo no poço. Algo memorável. Sem saída no escuro do beco infinito, peguei impulso e alcancei meu primeiro cálice da retidão. Sabor amargo com notas doces no final – das gotas insolúveis de baunilha. Beberia tudo outra vez.
Sobretudo, tatear o fundo do poço infinito me serviu para ver a velha mais de perto, à luz de velas. Assombrada, lembrei que nadar, eu sabia. Só não me afoguei porque não era o caso. A dor da queda foi a própria curandeira. Emergi nas águas mornas da empatia.
Hoje a velha e eu andamos bem lado a lado – isso quando não me esqueço e tento apressá-la (enraizada, a velha segue, e quem tropeça sou eu). Entre trancos e barrancos cada vez mais suaves, estamos a caminho. Fato é que com a velha, minha dança é reverência. Em compasso com ela, acesso a força que vem dos ossos. Nesse meu solo fértil – cultivado a teimosas lupas e lunetas, vez ou outra banhado a lava vulcânica – já andamos descalças, quase brincamos.
Quanto mais arado o meu terreno, mais vejo a velha investir toda a sua oca. Amarrou meus fios em seu longo tear ancestral, trançou meus pretos nos brancos e convocou-me a tricotar com ela. “Confie, minha filha: confiar se faz confiando.”
Hoje, menos apressada, com a nudez mais voltada para dentro, quanto mais aniversários, mais honro a velha florescendo em mim.
Paula Diniz
Foto: Google Imagens
É um texto tão delicado, tão lindo, que a vontade é de lê-lo copiosamente____ costurado com sábias linhas de quem prematuramente entendeu e/ou entende a maturidade e todas as questões no entorno desse caminho, que belíssimo e infinito! Simplesmente indizível Paula Diniz! Obrigada por compartilhar este relicário que é tua escrita!
Obrigada por estar no meu caminho e ser uma companheira tão querida com quem posso compartilhar os assuntos da vida (adentro e afora) enquanto cumprimos nossas trilhas. Um beijo, amiga!
Paula que texto! Acompanho você pelo face onze. Gosto de ler os textos, imagens que compartilha. Hoje ao ver seu post como sempre, abri para ler o texto de sua autoria. Na atenção, mergulhando nas palavras, verbos que teceram ao longo do texto sentimentos, reflexões, crescente até o fechamento, me emocionei e me identifiquei. Ele que preenche e também liberta, nos deixa mais leves, doces na relação com nossas velhas. Obrigada por partilhar seu textoe um grande viva. Forte abraço, Xenia Salvetti
Viva!! Um abraço, Xenia!
Lindo texto Paula. Sábias e delicadas palavras. Me tocaram muito. Obrigada!
Oi, Roberta! Que bom saber que algo tão íntimo não é só meu, é nosso. Eu é que agradeço. Bjs
Esse texto é muito mais do que se possa dizer.
Enquanto é lido se faz visto como numa tela de cinema, onde amanhã faremos parte dela.
Parabéns !
Dulcimar, obrigada! Você falou em tela de cinema… Você captou as imagens! E é assim mesmo, por imagens, que surgem as minhas poesias. As emoções sopram as imagens e finalmente escrever trata-se de um caça às palavras mais precisas (e preciosas) para descrever as cenas. Um abraço!
Lindo texto Paula! Muita sensibilidade e capacidade de olhar para dentro, coisas essenciais à nós nestes tempos. Parabéns
Oi, Do! Que bom que gostou! Agradeço o olhar carinhoso.
Paula, sua linda! Quanta ancestralidade e sabedoria nas tuas palavras, querida! Forte, intenso, sereno. Te gosto muito! Te admiro! Deixa mais destes aflorarem, vai?
Paula, curiosa com o título não tinha idéia do que poderia ser… Que dança das palavras… Amei!!